Observação de pássaros vira fonte de renda para fazendas e ajuda a aproximar pessoas da natureza
A observação de pássaros virou uma forma das pessoas se aproximarem da natureza e de admirar espécies nativas em um habitat natural.
O número de interessados no Brasil está crescendo, acompanhando uma tendência mundial. Nos Estados Unidos, já são 45 milhões de observadores de aves, gerando mais de US$ 40 bilhões por ano.
O valor equivale a quase a metade de tudo o que o Brasil consegue o ano inteiro com as exportações do agronegócio.
“Entre 10 e 15 anos, a gente calcula que a gente passou de 500 para quase 50 mil observadores de aves (no Brasil). Observar aves já é a desculpa perfeita para gente estar em contato com a natureza”, conta o biólogo Luciano Lima, que é um ornitólogo, uma pessoa que estuda aves.
A atividade cresce e salvou da falência uma fazenda que virou referência na observação de aves. É o sítio Santa Maria em Tapiraí, interior de São Paulo.
Durante 20 anos, o fazendeiro Marco Neumann e o irmão lutaram para conseguir renda com a propriedade. Após o parceiro desistir, Marco foi levando os negócios até descobrir o potencial da área.
Hoje, a fazenda saiu do prejuízo e até mudou nome: agora se chama Trilha dos Tucanos e recebe gente de vários lugares do mundo e do Brasil.
Mas as visitas são controladas, no máximo 20 pessoas. O proprietário explica que não é possível ampliar o número para não atrapalhar a rotina dos pássaros.
Fotografia cobiçada
Os irmãos Walter e Alceu Slomski são da região de Chapecó, em Santa Catarina e foram até a Trilha dos Tucanos. Eles viajaram mais de mil quilômetros atrás de passarinhos que são mais difíceis de ver lá no estado deles.
“Eu tenho em torno de 160 espécies (fotografada). Com as que eu consegui aqui, eu acho que já vou pra umas 200 espécies fotografadas”, comemora Walter.
Como todos que vêm à trilha, os irmãos estão de olho em captar o lance de uma preciosidade: ver a Maria Leque, especialmente com o leque aberto, é uma proeza, um troféu.
Ela é uma ave que só existe na mata atlântica brasileira. E a fotografia é cobiçada por todo observador de natureza. Quando o macho ou a fêmea abrem o leque de penas vermelhas que tem na cabeça é um espetáculo, relatam os observadores.
Abrigo no meio da cidade grande
E toda essa diversidade de sons e aves tem atraído observadores de pássaros também para a mata do Instituto Butantan, que fica no meio da correria de São Paulo. O biólogo Luciano Lima organiza excursões gratuitas no local.
Conhecido por sua coleção de cobras vivas e outros bichos com veneno, o instituto é referência na pesquisa e produção de soros e vacinas.
Antes, o local era uma fazenda. Nos 60 hectares da área atual do Butantan, entre salas de aula, laboratórios e fábricas vive uma comunidade de 160 passarinhos diferentes.
Muitos são moradores que vieram atrás de abrigo. Outros são vagantes, em busca de um descanso na viagem de migração ou de lugar seguro para fazer seu ninho. E ainda tem o chupim, que vem lá do Sul, para se meter com ovos e filhote dos outros.
Para dar conta de visitantes tão ilustres, duas vezes por semana, a bióloga Erika Hingst-Zaher sai logo cedo de seu gabinete para o meio do mato no instituto. Ela dirige o setor no Butantan que inclui um centro de observação de aves.
Junto com Érika, está o voluntário Alcides Dutra. A missão deles é encontrar um pica pau de cabeça amarela. Uma caixa de som amplifica o canto da ave no celular. A técnica – chamada “playback” – é usada para trazer o passarinho para mais para perto.
“O pica pau é um ave muito territorial, então, ele pensa que existe um outro pica pau entrando dentro do território dele. E ele vem procurar pra ver o que que é que está acontecendo”, explica a bióloga.
Só dá pra ver ele direito, quando vem comer o abacate. O alimento e o abrigado são as poucas coisas que o atrai para o Butantan.
A arma secreta do pica-pau está no que sai de dentro do seu bico. “A língua é muito longa, chega a ser quase o dobro do tamanho do bico. Serve como uma lança pra poder caçar as larvas que eles se alimentam”, conta o biólogo da USP Luís Fábio Silveira.
“Ele fica batendo o bico na madeira, até perceber onde essa madeira tem uma cavidade, que é onde estão geralmente as larvas dos insetos. É uma batida muito forte e ele tem toda uma estrutura no bico e no crânio pra dispersar essa onda de força”, afirma.
Singularidade das aves
No Instituto Butantan, vivem várias espécies de sabiá. Uma delas, a mais rara é o sabiá do campo, conhecido por seu comportamento diferente no chão: ele dá uma corridinha, para, abre as asas e volta a correr.
O desfile segue: o bem-te-vi rajado, o pica-pau anão barrado, que bate o bico na madeira como se fosse um martelo elétrico.
O jacu, com seu porte diferenciado, do tamanho de uma galinha. Tem também o tucano de bico verde, comendo pitanga no pé. E até mesmo a pomba asa branca: a mesma da canção de Luiz Gonzaga.
Encontrar um bacurau no Butantan é difícil. Ele é muito bom para se esconder. A cor das penas se confunde com o chão.
“A defesa dele realmente é essa: não se deixar notar”, explica Alcides Dutra.
O biólogo Thiago da Costa afirma que, para ver movimentação de bacurau, ou ouvir seu canto, tem que esperar o sol se por. Ele é uma espécie noturna.
Costa, que fez mestrado sobre o bacurau, diz que o canto desse pássaro é que explica alguns de seus nomes populares.
“É um canto bastante bonito que a gente escuta principalmente em noite de lua cheia. Muita gente do interior chama de ‘amanhã eu vou’ porque parece que o canto está falando ‘amanhã eu vou’”, afirma o biólogo.
Canto elaborado
“O canto do sabiá, comparado com os outros passarinhos, é muito mais elaborado. Dos outros passarinhos, é sempre um canto um pouco mais simples, geralmente uma nota ou duas notas. O do sabiá tem sempre muitas notas”, explica o biólogo Thiago da Costa.
O canto do sabiá pode durar três minutos ou até mais. Um nunca é igual ao outro. A vizinhança do Instituto Butantan conhece bem a potência vocal desse passarinho.
“O sabiá canta pra defender seu território e para atrair um parceiro para reproduzir, só que o que acontece numa cidade grande como São Paulo, é que o barulho do transito está cada vez mais cedo”, diz Erika Hingst-Zaher.
“E aí o sabiá, para não ter que competir com o barulho dos carros, ele começa a cantar mais cedo também”, completa.
Imitar esse canto não é fácil, mas os pesquisadores tentam. Tudo para se aproximar do pássaro. No caso, o objetivo era se aproximar de um ninho de sabiá que tinha quatro ovos. A mãe é uma sabiá do tipo barranco.
Ela passou duas semanas chocando os ovinhos. Todos eclodiram, mas só dois filhotes estão vivos agora.
Sobrevivência
Pai e mãe se revezam na tarefa de alimentar a cria. Os filhotes vão pegando penas e criando coragem pra sair. Ao todo, ficam cerca de quinze dias no ninho.
E a competição é grande. Filhotes maiores e mais fortes recebem mais comida. Só com muita insistência os pequenos conseguem se alimentar.
Ainda tem outro problema. O chupim que não gosta de fazer ninho, nem de cuidar da cria, vem de longe, deposita seus ovos no ninho de outras aves e desaparece.
Os filhotes nascem então no meio de tiês, sabiás, tico-tico e os pais verdadeiros não se dão conta de que aquele filhote guloso não é do seu sangue.
Em uma gravação rara, é possível ver um tiê-sangue macho, ave símbolo da mata atlântica e que está em extinção, fazendo um enorme esforço para alimentar um chupim enquanto seus filhotes verdadeiros foram jogados para fora do ninho.
Apesar disso, não são os chupins os responsáveis pela extinção do passarinho. O biólogo Luciano Lima explica que o que provoca a diminuição das espécies continua sendo o desmatamento e as mudanças climáticas.
Neste contexto, ter uma mata como a do Instituto Butantan, no meio da cidade, tem sua importância para a conservação dos passarinhos e, também, para a saúde das pessoas.