Avança projeto de royalties sobre a energia eólica
Uma polêmica iniciativa vem gradativamente ganhando corpo na Câmara dos Deputados: algo como taxar o vento e o sol.
Recentemente, a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Casa aprovou a admissibilidade da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 97/15 que prevê a cobrança de royalties sobre a energia eólica. O autor da proposta, deputado federal Heráclito Fortes (PSB-PI), adianta que a intenção é incluir também a fonte solar nessa medida.
O parlamentar argumenta que as usinas eólicas ocupam espaços que limitam o uso dessas áreas para outras atividades econômicas. Além disso, uma das suas inspirações é o pré-sal, que também determina a incidência de royalties. Depois de aprovada a viabilidade da iniciativa pela CCJ, será avaliado agora o mérito da proposta por uma comissão especial de deputados e, após, o tema seguirá para o Plenário, onde deverá ser votado em dois turnos. Fortes estima que a instalação da comissão especial ocorra a partir do primeiro mês da retomada dos trabalhos na Câmara.
Nessa fase, a discussão da compensação será estendida para a geração solar. A taxa seria aplicada somente na produção industrial de energia fotovoltaica, não abrangendo os painéis solares residenciais. O deputado calcula que seria possível aprovar a matéria neste ano para que a arrecadação, que seria compartilhada entre a União, estados, Distrito Federal e municípios, iniciasse em 2019. “Não é justo que a gente não tenha direito a ter pelo menos o mínimo possível de proveito do uso dessas áreas, uma vez que essas regiões poderiam ter, teoricamente, outras funções”, argumenta. Fortes enfatiza que, assim como os estados nordestinos, o Rio Grande do Sul será um dos beneficiados com a medida devido ao seu vasto potencial eólico. “Vamos fazer o acordo do chimarrão com a rapadura”, graceja.
O deputado acrescenta que ainda não está definida qual será a alíquota cobrada. Também não foi batido o martelo sobre qual seria o impacto dos royalties em projetos já consolidados. Fortes considera que a compensação não significará necessariamente onerar a conta de energia, sendo que o setor continuará atrativo. “O investidor só pensa no lucro, por que esses caras saem da Nova Zelândia, da Espanha, de nem sei de onde e vêm para cá? Porque aqui o vento é melhor e o preço da terra e da mão de obra são mais baratos”, frisa o parlamentar.
Empreendedores temem perda da competitividade da produção do segmento
Considerada como um “absurdo” pelas instituições que representam os investidores das fontes renováveis, a cobrança de royalties pode fazer com que essa geração perca competitividade, alerta a presidente executiva da Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica), Elbia Gannoum. A dirigente acrescenta que se trata de um segmento que traz retornos econômicos e ambientais.
Elbia frisa que não é preciso subsidiar a fonte eólica no Brasil, mas é inaceitável prejudicar as condições do seu mercado. De acordo com a integrante da ABEEólica, se uma iniciativa como essa vingar, a participação das fontes renováveis na matriz energética nacional diminuirá.
Elbia comenta que tratar o assunto como royalties ainda é pior do que se referir como um simples imposto, por se tratar de uma taxa que incide sobre bens finitos ou cuja exploração acarreta maiores impactos para a sociedade, como a extração de petróleo, carvão ou construção de grandes hidrelétricas. A dirigente ressalta que a ABEEólica está acompanhando atentamente o tema e tentará impedir que a proposta venha a ser aceita dentro do Congresso.
“Seria engraçado, se não fosse trágico”, dispara o presidente do Sindicato das Empresas de Energia Eólica do Rio Grande do Sul (Sindieólica-RS), Guilherme Sari. O empresário diz que se trata de uma velha mentalidade da política brasileira de onerar o que for possível. “Hoje é o vento, amanhã é o sol, daqui a pouco é o mar”, projeta. O dirigente adverte que um novo encargo impactaria o preço da energia, encarecendo o produto para o consumidor final. O presidente do Sindieólica-RS recorda que a produção da energia eólica permite a manutenção de outras atividades produtivas, como a criação de gado ou a prática da agricultura no mesmo espaço em que estão situados os aerogeradores.
O empresário lembra ainda que os complexos eólicos já dão retorno em impostos como o ICMS e ISS, além da geração de emprego que proporcionam. Sari adianta que se o investimento no segmento eólico no Brasil começar a ficar oneroso por causa de taxas, os empreendedores poderão começar a migrar para outros países da América do Sul como Argentina, Chile ou Peru.
Associação destaca apoio da população à geração renovável de eletricidade
Um trunfo que a Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar) conta para que a incidência dos royalties na energia renovável não prospere é a opinião favorável em relação a essa atividade. O presidente executivo da entidade, Rodrigo Sauaia, cita que pesquisa do DataSenado, em parceria com a Universidade de Columbia, apontou que 85% dos entrevistados concordaram total ou parcialmente que o Brasil invista mais nas fontes eólica e solar. Essa maioria é formada por 55% que concordaram totalmente e 30% parcialmente com a aplicação de mais recursos nessa área.
O presidente da Absolar reforça que a fonte renovável é uma energia alinhada com o desenvolvimento sustentável de longo prazo. Sauaia salienta também que não são somente empresas internacionais que investem nessa área, mas também companhias nacionais que geram empregos dentro do País. O dirigente acrescenta que muitas das usinas solares são instaladas em áreas improdutivas, áridas, nos interiores dos estados, onde não há água disponível e o solo é de baixa qualidade. “O sol, que sempre foi uma mazela na região do Nordeste, com a energia fotovoltaica transforma-se em uma fonte de renda”, aponta.
Sauaia reitera que não faz sentido cobrar royalties de um recurso renovável. O representante da Absolar entende que existe a preocupação por parte de Fortes com a questão de receita dos municípios, contudo não crê que seja esse o caminho para corrigir a situação. O dirigente defende que seria mais interessante redirecionar de forma mais igualitária os impostos já cobrados, dando mais atenção aos locais produtores da energia e não onde a eletricidade é consumida.