China e a geopolítica da energia no séc XXI
A geopolítica consiste na disputa pela influência sobre o espaço geográfico e os seus recursos, conectando estes fatores à objetivos políticos e ao interesse nacional. Cada mudança no padrão produtivo da economia no mundo capitalista engendra novos padrões técnicos, que, por sua vez, demandam aumento da eficiência e mudança no padrão energético.
Cabe pensar no uso de tecnologias a vapor e carvão nos séculos XVIII e XIX, passando para o uso do petróleo a partir do final do século XIX e, posteriormente, as energias provenientes de fontes nucleares e de recursos renováveis, a partir da segunda metade do século XX.
O acesso aos recursos energéticos é um fator essencial para a manutenção das atividades econômicas de uma nação. Isto é ainda mais significativo para a China, visto que o país enfrenta o desafio de manutenção da taxa de crescimento de sua economia, que provê estabilidade ao regime do Partido Comunista. Este vínculo entre a coesão política e o desenvolvimento econômico consiste em um pacto nacional estabelecido por Deng Xiaoping (mandato de 1978-1989) e reforçado após os protestos da Praça da Paz Celestial (Tiannamen), no ano de 1989.
A China deixou de ser autossuficiente na produção de energia no período entre 1993-1997, momento a partir do qual o acesso aos hidrocarbonetos provenientes da Rússia, da Ásia Central e do Oriente Médio se tornaram pontos cada vez mais importantes para a condução de suas relações exteriores. Esta é uma das razões pelas quais o país está capitaneando um extensivo plano de integração para a região da Eurásia, conhecido como a Nova Rota da Seda, ou Belt and Road Initiative, assunto já abordado no CEIRI NEWSPAPER em notas previamente publicadas.
No momento, cerca de 80% do petróleo que chega até a China passa pelo estreito de Malacca (Malásia), localizado no sudeste asiático, que realiza a conexão entre os Oceanos Índico e Pacífico. Este estreito pode ser facilmente bloqueado por forças navais, o que consiste em uma relevante preocupação no âmbito da Grande Estratégia chinesa.
Devido à natureza do seu regime político e da união entre Estado e Mercado, as grandes empresas do país atuam de modo a contribuir para a sua estratégia de longo prazo. A diversificação das fontes e o acesso por vias terrestres aos hidrocarbonetos provenientes da Eurásia são fatores extremamente relevantes para a segurança energética da nação. Neste sentido, a projeção dos investimentos das empresas chinesas nos mais variados mercados pode ser vista como um dos instrumentos para a efetivação deste processo.
Indo além, o uso do gás derivado do mineral de xisto é um importante vetor de mudanças no cenário global de energia, conforme delineado por Joseph Nye em um recente artigo. A geração de energia através deste recurso está reduzindo significativamente a dependência externa dos Estados Unidos (EUA) sobre o petróleo, e a China é atualmente o terceiro maior produtor de gás de xisto, estando atrás apenas dos EUA e do Canadá. Nesse sentido, a produção de energia a partir do xisto poderá reduzir a sua vulnerabilidade nesta área.
No que diz respeito à geração de energia renovável, o país está avançando a largos passos. A China investe um montante superior ao da União Europeia em tecnologias verdes. Adicionalmente, já representa 25% da produção global de energias advindas de fontes renováveis. Para o período de 2016-2020, o país pretende reduzir suas emissões de carbono e outros poluentes em 18%, seguindo seu compromisso com o Acordo de Paris*. Cabe mencionar que que o custo da produção de energia eólica e solar caiu em 70% desde o ano de 2010 e existem previsões de que 40% da produção global será advinda de recursos renováveis até o ano de 2040.
Mesmo após todas estas considerações, cabe mencionar que quase dois terços da produção de energia na China ainda é proveniente do carvão, um desafio para o futuro, devido ao grande fator poluente deste recurso e o seu consequente impacto ambiental e social. Acrescente-se ainda que previsões apontam que até o ano de 2035, mais de 85% do crescimento no consumo de energia será advindo do eixo Indo-Pacífico.
Por fim, à medida que emergem movimentos políticos nacionalistas em diversas regiões e estes pressionam seus governos por posições de cunho protecionista, a China desponta como um porta-voz do globalismo e de uma visão cooperativa (win-win) para a estruturação da ordem mundial. Seguindo tal lógica, o vácuo de poder provocado por uma postura nacionalista dos EUA poderá ser preenchido pela crescente presença chinesa e isto poderá se consolidar igualmente no que diz respeito à geopolítica energética.
A concretização da liderança chinesa no plano da energia dependerá de sua capacidade de reduzir a utilização de fontes poluentes, tais como o carvão. Além disso, é imprescindível que a China continue a defender o Acordo de Paris e procure estimular os investimentos na área de recursos renováveis, tais como a geração de energia solar e eólica. Deste modo, o país poderia fortalecer a percepção do seu protagonismo na construção da agenda global no tocante ao desenvolvimento sustentável e respeito ao meio ambiente.
* O Acordo de Paris visa lidar com a redução e a adaptação da emissão de gases que contribuem para o aquecimento global. Espera-se que o Acordo entre em vigência no ano de 2020. Até o presente, 194 países assinaram-no, sendo que 133 deles já o ratificaram no âmbito de suas jurisdições internas.