Países podem responder por efeitos do clima nos direitos das crianças

Em uma decisão histórica sobre os efeitos nocivos que as mudanças climáticas estão exercendo sobre os direitos das crianças, o Comitê de Direitos da Criança concluiu que um estado-membro do órgão poderá ser responsabilizado pelo impacto negativo de suas emissões de carbono sobre os direitos das crianças dentro e fora de seu território.

O Comitê é composto por 18 especialistas independentes em direitos humanos de todo o mundo e monitora a adesão dos estados-membros à Convenção sobre os Direitos da Criança e aos protocolos opcionais nas áreas de envolvimento de crianças em conflitos armados, venda e prostituição de crianças e pornografia infantil. Até o momento, 196 países aderiram à Convenção.

Em sua primeira decisão do gênero, o Comitê publicou nesta segunda-feira, 11 de outubro, depois de examinar uma petição apresentada em 2019 por 16 crianças de 12 países contra Argentina, Brasil, França, Alemanha e Turquia – cinco países que são emissores históricos e já haviam reconhecido a competência do Comitê para receber petições como essas.

As crianças alegaram que estes países falharam para tomar as medidas preventivas necessárias para proteger e cumprir os direitos das crianças à vida, à saúde e à cultura. As crianças também argumentaram que a crise climática não é uma ameaça futura abstrata e que o aumento de 1,1°C na temperatura média global desde a era pré-industrial já causou ondas de calor devastadoras, favorecendo a propagação de doenças infecciosas, incêndios florestais, extremos padrões climáticos, inundações e aumento do nível dos oceanos. Elas alegam ainda que as crianças são as mais afetadas, mentalmente e fisicamente, por estes impactos de ameaça à vida.

Entre maio e setembro de 2021, o Comitê realizou cinco audiências com os representantes legais das crianças, representantes dos estados e terceiros interventores, além de ouvir as crianças diretamente.

A decisão pode ser lida aqui.  

Decisão histórica

Nessa decisão histórica, o Comitê concluiu que os estados envolvidos exerceram jurisdição sobre estas crianças. “Os estados emissores são responsáveis pelo impacto negativo das emissões originadas em seus territórios sobre os direitos das crianças – mesmo as crianças localizadas no exterior. A natureza coletiva das causas das mudanças climáticas não deve absolver um estado de sua responsabilidade individual”, disse Ann Skelton, membro do Comitê.

“É UMA QUESTÃO DE PROVAR SUFICIENTEMENTE QUE EXISTE UMA RELAÇÃO CAUSAL DIRETA ENTRE O DANO E OS ATOS OU OMISSÕES DOS ESTADOS.”

Ann Skelton, membro do Comitê de Direitos das Crianças

Nesse caso, o Comitê determinou que Argentina, Brasil, França, Alemanha e Turquia têm controle efetivo sobre as atividades que são fontes de emissões e que também contribuem para danos razoavelmente previsíveis a crianças fora de seus territórios.

Concluiu que existe suficiente nexo de causalidade estabelecido para os danos alegados pelas 16 crianças e os atos ou omissões dos cinco estados para efeitos de estabelecimento da jurisdição, e que as crianças apresentaram suficientes justificativas de que os danos sofridos pessoalmente foram significativos.

O Comitê não foi, entretanto, capaz de decidir se os estados acusados neste caso específico haviam violado especificamente a Convenção sobre os Direitos da Criança. O procedimento de queixas requer que as petições sejam aceitas pelo Comitê somente depois que os denunciantes já tenham levado as suas reclamações aos tribunais nacionais e esgotado todos os recursos legais disponíveis nos países em questão antes de trazer a queixa para o Comitê.

1 bilhão de crianças ameaçadas

Um estudo lançado pelo Unicef no dia 20 de agosto de 2021, “A Crise Climática é uma Crise dos Direitos da Criança”, pode ser considerado a primeira análise compreensiva dos riscos das mudanças climáticas  sob a perspectiva das crianças.

O Unicef avaliou a situação de vários países, levando em conta ciclones, ondas de calor e o acesso dos menores a serviços essenciais. Segundo a agência, quase metade do total de menores de idade no mundo, cerca de 1 bilhão de crianças, moram em uma das 33 nações classificadas de “risco extremamente alto”.

Essas crianças estão expostas a “uma combinação fatal de choques ambientais e climáticos, com uma vulnerabilidade alta devido à falta de serviços de água e de saneamento, cuidados de saúde e acesso à educação.”

A “pela primeira vez, existe uma noção completa de onde e como as crianças estão vulneráveis à mudança climática”. Henrietta Fore, diretora-executiva do Unicef declarou que

O relatório do Unicef revela que:
  • 240 milhões de crianças estão altamente expostas à enchentes costeiras;
  • 400 milhões estão altamente expostas a ciclones;
  • 600 milhões de menores estão altamente expostos a doenças transmitidas por vetores;
  • 815 milhões de crianças estão altamente expostas à poluição causada por chumbo;
  • 820 milhões de crianças estão altamente expostas a ondas de calor;
  • 920 milhões de crianças estão altamente expostas à escassez de água;
  • 1 bilhão de crianças estão altamente expostas à grandes níveis de poluição do ar.

Comitê de Direitos da Criança

CicloVivo