Vendedor cria barreira ecológica para retirar lixo e salvar rio
O rio Atuba passa nos fundos da casa em que o vendedor Diego Saldanha cresceu, no bairro Jardim das Flores, em Colombo, na região metropolitana de Curitiba (PR). Foram naquelas águas, mais de duas décadas atrás, que Diego, atualmente com 33 anos, aprendeu a nadar.
Mas o vendedor acompanhou, nas últimas décadas, o início do período que considera o mais triste para o Atuba. “As águas ficaram cada vez mais sujas e não havia mais peixes. O rio era limpo quando eu era criança, mas depois começou a ficar muito poluído”, diz à BBC News Brasil.
O Atuba passa por Curitiba, Colombo e Pinhais – também na região metropolitana da capital paranaense. Quando as águas dele se encontram com as do rio Iraí, formam o Iguaçu, que leva às cataratas, no extremo oeste do Paraná.
Para tentar limpar o trecho que passa perto de sua residência – ele mora ao lado da casa dos pais, onde cresceu -, o vendedor pesquisou sobre como poderia melhorar a situação do rio.
Em janeiro de 2017, ele reuniu garrafas pet de dois litros em uma rede e esticou a barreira flutuante de uma margem do rio à outra. A partir de então, surgiu a “ecobarreira”, como o vendedor define o objeto que segura o lixo carregado pela correnteza.
A primeira tentativa trouxe poucos resultados, mas mostrou que a iniciativa, caso melhorada, ajudaria na retirada do lixo das águas. Dias depois de criar o primeiro formato da barreira, ele aprimorou o projeto. “Comprei galões de 50 litros, usei uma rede de proteção mais forte e refiz a barreira”, conta. O vendedor afirma ter gastado cerca de R$ 1 mil, de recursos próprios.
Desde o início da ecobarreira, ele estima ter retirado quase três toneladas de resíduos das águas do rio. Cerca de 90% dos itens recolhidos, segundo o vendedor, são garrafas ou isopor. Há ainda diversos brinquedos, como bonecas ou bolas. Nos últimos anos, também recolheu objetos como televisores antigos, capacetes de motocicleta, fogão e até um sofá.
Essa lista de objetos recolhidos dá uma ideia do descaso com os rios do país, tratados por muitos, literalmente, como lixo.
O professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e doutor em Ecologia Antonio Fernando Monteiro comenta que a situação dos rios no Brasil é preocupante, em virtude da poluição que atinge a imensa maioria deles. Para o especialista, a barreira criada por Diego é uma importante forma de conscientizar a população.
“Quando um rio está sujo, fedido e com água cinza, as pessoas o enxergam como lugar de lançamento de resíduos e vão jogando tudo o que não querem mais. A limpeza que ele faz no Atuba, com a ecobarreira, mostra a importância de preservar o rio”, comenta.
A ecobarreira
Do lado esquerdo da margem, no qual está localizada a casa de Diego, a barreira flutuante está fixada a uma estaca de ferro. Na parte direita, está amarrada a uma árvore. Ela é ligada entre os dois lados em forma diagonal, para que os resíduos acumulem somente na parte esquerda, para facilitar a retirada dos itens acumulados.
Em dias comuns, o trecho do rio tem cerca de um metro de profundidade. Quando o nível da água sobe, a estaca se solta em direção à margem direita. “É uma forma de segurança, porque quando o rio fica cheio, começam a descer troncos e objetos maiores. Quando o nível da água abaixa, uso uma corda para puxar a estaca da barreira de volta para a margem esquerda.”
O vendedor pensou em cada detalhe da barreira durante anos, enquanto via a poluição das águas. “Quando cheguei à ideia do primeiro formato da ecobarreira, logo procurei os materiais para colocar em prática”, explica.
A princípio, a esposa de Diego, a microempreendedora Tábata de Oliveira, estranhou a iniciativa do marido. “Ele chegou em casa com vários galões e disse que iria fazer algumas coisas para ajudar o rio. Eu pensei que ele estava ficando doido”, diz, aos risos. Hoje, ela colabora com o marido. “Quando comecei a ver que é uma ideia que realmente ajuda o rio, passei a incentivá-lo. Tento ajudá-lo reciclando alguns itens que ele recolhe”, conta.
Para retirar o lixo, Diego usa uma rede de capturar peixes e uma vestimenta específica, que inclui uma espécie de macacão de borracha e uma bota – ele ganhou a indumentária em dezembro de 2017, de uma empresa que o parabenizou pela iniciativa.
Cada item recolhido tem uma destinação específica. Os plásticos recicláveis são levados à escola municipal em que os filhos dele – de 10 e seis anos – estudam. Na unidade de ensino, os itens são pesados e vendidos. “O dinheiro fica com a própria escola, que guarda para melhorias como pintura do parquinho ou compra de livros”, diz.
As bonecas são restauradas pela mãe dele, que posteriormente as doa a crianças. As bolas retiradas em bom estado são dadas a garotos da vizinhança.
Em uma pequena área nas proximidades da ecobarreira, ele construiu uma espécie de museu, onde deixa os objetos que considera como os mais curiosos entre os que retirou das águas. Ali estão itens como o fogão, televisores e capacetes.
A repercussão da iniciativa
Nas primeiras semanas da criação da ecobarreira, no início de 2017, Diego gravou um vídeo mostrando a iniciativa e o lixo recolhido. O registro viralizou nas redes sociais – até o momento são mais de 5 milhões de visualizações – e o projeto ficou conhecido em todo o Brasil.
Desde então, o vendedor passou a ser chamado para dar palestras. Em escolas, Diego fala voluntariamente sobre o assunto. Ele também costuma participar de eventos em empresas – nestes casos, recebe cachê.
O vendedor já foi premiado duas vezes pela ecobarreira. Em outubro passado, levou o Prêmio Lixo Zero, no Rio de Janeiro, no qual ganhou um troféu. Em janeiro deste ano, foi o primeiro colocado no Prêmio Pega a Visão de Empreendedorismo Popular, em Goiás, e ganhou R$ 8 mil.
Ele se diz honrado com os prêmios, mas lamenta o fato de o projeto não receber apoio do poder público de sua região. “Nunca recebi nem um obrigado. É um projeto que poderia ser ampliado pela prefeitura daqui. Poderiam também me ajudar a percorrer as escolas municipais para falar sobre a importância de cuidar dos rios. Mas nunca tive nenhum apoio”, afirma.
A prefeitura de Colombo informou à BBC News Brasil, em nota, que colabora com a ecobarreira por meio de um caminhão que recolhe o lixo retirado por Diego. O vendedor, porém, diz que precisou do serviço poucas vezes. “No máximo, quatro vezes. Liguei lá e pedi para recolherem. É um serviço de retirada de entulhos, disponibilizado a qualquer cidadão. Não foi uma ajuda específica à ecobarreira”, afirma.
Ainda em nota, a Prefeitura de Colombo classifica a iniciativa da ecobarreira como “ótima, na dimensão ambiental e no âmbito social e cultural”. O município não planeja criar outras ecobarreiras na cidade, mas afirma que está desenvolvendo um plano para limpar os rios da região, por meio do desassoreamento.
Apesar de a prefeitura de Colombo não planejar reproduzir a barreira criada pelo morador, a iniciativa foi implantada em outras cidades brasileiras. Segundo o vendedor, ecobarreiras inspiradas na dele foram desenvolvidas em ao menos outras 10 cidades, como Blumenau (SC), Araucária (PR) e Coronel Fabriciano (MG).
Uma das cidades em que a iniciativa do vendedor foi adotada é Itaí (SP). O responsável por reproduzir o projeto foi o secretário de Meio Ambiente do Município, Guilherme de Oliveira. Ele colocou duas ecobarreiras em pontos distintos do rio Ribeirão dos Carrapatos, que nasce em Itapeva (SP) e passa por Itaí.
“Nos inspiramos na iniciativa do Diego e criamos um sistema diferente, com galões de 20 litros, revestidos em telas e passamos um cabo de aço para reforçar e não ter o risco de a barreira romper quando o nível da água subir”, diz o secretário. Segundo Guilherme, foram usados R$ 2 mil para a implantação da iniciativa, por meio de recursos do município.