Brasil cai 10 posições em ranking que mede a paz no planeta
Índice Global indica piora em segurança pública e instabilidade política no país. Relatório também traz alerta sobre o risco que mudanças climáticas trazem para a segurança do planeta.
RIO — Um mundo perigoso, com alguns sinais de melhora, mas com uma grande ameaça no futuro. Este é o cenário apresentado no estudo Índice Global da Paz, divulgado pelo Instituto para Economia e Paz, baseado na Austrália. É a 13ª edição do relatório e, pela primeira vez em cinco anos, registrou uma melhora na segurança no planeta. Entretanto, algumas regiões, como as Américas , enfrentaram deterioração ampla das condições de paz e segurança. O Brasil , por exemplo, caiu dez posições.
“Entre 2018 e 2019 nós percebemos que o mundo ficou mais pacífico, mas foi uma mudança muito pequena. O que está liderando essa mudança é a redução dos confrontos em guerras como as da Síria e da Ucrânia . O número de mortes em combate caiu, assim como o número de mortes decorrentes do terrorismo. Esse foi o fato que mais influenciou nesse aumento no “ Índice de Paz ”— afirma Thomas Morgan, pesquisador do Instituto que participou da elaboração do programa.
A Islândia aparece como o país mais pacífico do mundo, seguida por Nova Zelândia, Portugal e Áustria. Por outro lado, o Afeganistão aparece no fim do ranking, atrás de Síria, Sudão do Sul e Iêmen, que pela primeira vez aparece nas cinco últimas posições. O Brasil caiu dez posições, agora ocupando o 116º lugar, com a classificação de “risco médio à paz”. Entre as regiões, a Europa aparece como a mais segura, enquanto o Oriente Médio é visto como o mais perigoso.
No Brasil, tráfico, violência e instabilidade política
No caso da América Latina, o destaque negativo foi a Nicarágua , que enfrentou uma onda de repressão a manifestações contra o presidente Daniel Ortega . O país, que também convive com as guerras de gangues, tráfico de drogas e altos níveis de encarceramento, caiu 58 posições no ranking. Honduras, Venezuela e Cuba também registraram pioras significativas.
Ao falar do Brasil, o relatório destaca que nove dos indicadores do país tiveram queda acentuada, o que explica a perda de dez posições no ranking. Os altos níveis de encarceramento, confrontos envolvendo traficantes e mortes violentas contribuíram para a piora na avaliação. O Brasil aparece entre os dez países com as maiores taxas de homicídio, sem perspectiva de melhora. O estudo considera ainda que o nível de polarização política, especialmente depois da eleição de 2018, deve continuar elevado, ainda mais durante a votação de temas sensíveis, como a reforma da Previdência.
“Se olharmos para os indicadores, sim, vemos uma deterioração, aumento nos crimes violentos, níveis de conflito interno, de instabilidade política. Esses problemas não podem ser resolvidos da noite para o dia. Se olharmos as eleições no Brasil, podemos perceber uma tensão política. Não importa a força do governo, não importa se as políticas dele são boas, esse tipo de problema leva tempo para ser resolvido. É mais fácil entrar em um conflito do que sair dele — afirma Thomas.
Segundo o relatório, o custo econômico da violência no Brasil, incluindo gastos diretos e indiretos, superou os US$ 297 bilhões em 2018 , equivalente a R$ 1,15 trilhão , pela cotação do Banco Central. O valor corresponde a 9% do Produto Interno Bruto do país.
Já na avaliação mundial, o impacto econômico da violência chegou a US$ 14,1 trilhões em 2018. Houve aumento de 3,3% no valor em relação a 2017, com destaque para os gastos decorrentes de mortes violentas e crime. Por outro lado, os gastos com conflitos armados caíram 28%.
O estudo, que abrange cerca de 99% da população global , usou 23 indicadores. Eles incluem nível de militarização de um determinado país, impacto do terrorismo, número de mortes violentas por grupos de 100 mil pessoas e até a capacidade nuclear. Cada um dos indicadores possui um peso diferente na hora de estabelecer a classificação de um país. Os itens considerados mais importantes são os que medem as mortes em conflitos internos e externos, intensidade dos conflitos internos e relações com os vizinhos.
Analisar tantas tendências permite traçar um retrato mais fiel da situação de segurança. Afinal, como afirma o fundador e presidente-executivo do Instituto, Steve Killelea, não é nada simples saber se o mundo está mais seguro.
“Muitas das tendências observadas na última década destacam a complexidade da paz mundial. Claramente, é uma boa notícia a de que o terrorismo patrocinado por Estados recuou consideravelmente na última década, com 62 países melhorando suas pontuações, enquanto em apenas 42 houve uma piora. Entretanto, o encarceramento mostra uma tendência oposta, com 95 países aumentando essa taxa, em comparação com 65 que melhoraram” — afirma Steve.
Água move conflitos
Este ano o relatório traz uma novidade: uma pesquisa sobre o impacto das mudanças climáticas sobre a paz no mundo.
“Com a influência das mudanças climáticas, os riscos em conflitos vão aumentar a longo prazo, já se pode ver hoje conflitos relacionados ao clima exacerbando uma situação que já era complicada. É uma força multiplicadora em conflitos” — afirma Thomas Morgan. “Os conflitos na Nigéria , entre forças regionais, têm como um dos elementos principais a desertificação, provocada pelas mudanças no clima. E são fenômenos que vão se intensificar nas próximas décadas“.
O estudo aponta que 971 milhões de pessoas vivem em áreas com exposição alta ou muito alta a riscos ambientais. Quase metade, 400 milhões , estão em países onde os níveis de paz são considerados baixos. E foram justamente estes países que tiveram as maiores quedas no ranking. A disputa por fontes de água é apontada como o principal motivador de conflitos, especialmente na África Subsaariana .
Além de conflitos, o clima também foi responsável pela maior parte dos deslocamentos forçados no planeta: 61,5% foram provocados por desastres naturais, como enchentes e furacões.
Novos e velhos confrontos
O ano de 2018 viu alguns conflitos longos, como no Iraque, no Leste da Ucrânia e na Síria, perderem força, com uma redução no número de mortes. Tanto que, no caso ucraniano, o país registrou o maior avanço nas condições de segurança. Mas a nova liderança do presidente Volodymyr Zelenski e as ações da Rússia deixam o cenário futuro pouco claro.
“Apesar da redução no número de mortes, ainda não vemos um caminho claro para uma paz duradoura. Claro, isso não significa que vamos voltar aos dias de combate, mas certamente é muito cedo para dizer se e quando esse conflito será resolvido” — afirma Thomas.
Dúvidas também pairam sobre o Oriente Médio e a Ásia Central. A constante ameaça de uma conflito envolvendo o Irã contribui para um aumento na insegurança. Mesmo que, por momento, não passe de uma guerra de palavras. O Irã foi um dos países que tiveram a maior queda: nove posições.
“A situação em alguns países vem se estabilizando, como na Síria, no Iraque, onde o nível de governança vem aumentando. Mas também vemos, nas últimas semanas ou mesmo dias, as tensões entre o Irã e os EUA , há preocupação sobre o risco de um conflito. O nível de conflito no Afeganistão vem aumentando nos últimos anos, enquanto conflitos em outros lugares vêm diminuindo de intensidade. No Afeganistão estamos vendo um aumento no número de mortos, em batalha e em atos de terrorismo” — revela Thomas.